REsp 1.792.271-SP

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Processo

REsp 1.792.271-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do CC/2002. Responsabilidade patrimonial. Terceiros sem vínculo jurídico com as sociedades atingidas. Impossibilidade. Confusão ou desvio patrimonial. Irrelevância.

Destaque

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de interpretação ampliativa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se atingir o patrimônio de terceiros - filhos dos sócios da devedora - beneficiados por atos de confusão e desvio patrimonial.

No caso, o Tribunal de origem admitiu que os irmãos recorrentes fossem atingidos pela desconsideração tão somente pelo fato de que seus pais, sócios nas empresas do grupo econômico e também atingidos pela desconsideração clássica da personalidade jurídica, realizaram doações de imóveis e em dinheiro aos referidos filhos. Limitou a responsabilidade dos recorrentes aos bens recebidos em doação ou adquiridos com dinheiro doado por seus pais em data posterior ao "saque do título exequendo".

A norma do art. 50 do CC/2002, na antiga e na atual redação, evidencia que a desconsideração da personalidade jurídica, destinada a relativizar a separação entre o sócio e a respectiva pessoa jurídica com o propósito de combater fraudes, desvios de patrimônio e confusão patrimonial, permite a responsabilização (i) de sócios por obrigações das respectivas empresas, (ii) de empresas por obrigações de sócios e (iii) de empresas por obrigações de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.

Nesse sentido, inexiste previsão legal ou viabilidade de interpretação ampliativa com o propósito de aplicar a desconsideração para responsabilizar os filhos pelas obrigações dos pais, mesmo que estes tenham sido atingidos por desconsideração para adimplir obrigações de sociedades das quais fazem parte.

Por outro lado, o reconhecimento da fraude contra credores pressupõe o ajuizamento de ação pauliana (CC/2002, art. 161), afigurando-se descabido declará-la em caráter incidental, no bojo de feito executivo e com amparo em normas jurídicas que disciplinam instituto diverso, somente concebido para afastar, de modo excepcional e em circunstâncias específicas, a proteção legal e a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Os requisitos e o procedimento para avaliar o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica não se confundem com as questões que são objeto da demanda na qual se decide sobre a fraude contra credores.

De fato, "a desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002)". "A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - 'rectius', ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade" (REsp n. 1.180.191/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 9/6/2011).

Ademais, no âmbito da ação pauliana, ajuizada com suporte em causa de pedir específica e pedido expresso para se reconhecer a ineficácia da alienação, o credor deve demonstrar o preenchimento dos requisitos legais para configurar a fraude, quais sejam o eventus damni, o consilium fraudis (ou scientia fraudis), e, além disso, a anterioridade da dívida, na medida em que o art. 158, § 2º, do CC/2002 dispõe que "[s]ó os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles".

No caso, os recorrentes - que não eram sócios das empresas devedoras e tampouco das outras sociedades que com aquelas formavam grupo econômico - receberam bens de seus pais em data anterior ao ajuizamento da demanda e, parte deles, antes mesmo do momento em que constituída a obrigação. Tanto por isso que o Tribunal de origem, no julgamento da apelação, afastou sua responsabilidade pelo débito propriamente dito e, além disso, determinou fossem levantadas as constrições incidentes sobre bens adquiridos por doação ou com dinheiro doado pelos pais em data anterior ao saque do título executivo. Ressalta-se ainda que a Corte local não afirmou confusão patrimonial entre as empresas devedoras e os recorrentes, senão apenas entre aquelas.

A responsabilidade dos recorrentes deu-se em caráter puramente patrimonial, eis que somente foi declarada a ineficácia das alienações posteriores ao momento em que constituída a dívida. É dizer: embora tenha afirmado que estava desconsiderando a personalidade jurídica das empresas envolvidas, no que se refere aos recorrentes, o Tribunal local em verdade reconheceu a ocorrência de fraude contra credores, todavia sem que observado o procedimento previsto em lei.

Nesse contexto, viola o devido processo legal declarar a ineficácia da alienação de bens, incidentalmente, a partir de um simples requerimento do credor, que afirma a prática de atos supostamente fraudulentos, todos eles ocorridos em data anterior ao ajuizamento da ação. Não pode fazê-lo o Judiciário, por sua vez, invocando instituto jurídico impertinente, que não serve ao reconhecimento da fraude contra credores.

Dessa forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

Informações Adicionais

Legislação

Código Civil (CC/2002), artigos 50; 158, §2º; 161 e 165.

Lei n. 11.101/2005, artigos 129 e 130.