ADI 5.465/SP
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DEVIDO PROCESSO LEGAL; DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA; TRABALHO ESCRAVO; CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO; CASSAÇÃO DA INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES DO ICMS
Trabalho escravo e cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS - ADI 5.465/SP
ODS: 8, 9, 16 e 17
Resumo:
É constitucional lei estadual que prevê a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS de empresas que comercializem mercadorias produzidas mediante uso de trabalho escravo ou em condições análogas a ele, desde que haja demonstração do dolo ou da culpa dos sócios empresários quanto ao conhecimento ou à suspeita dessa situação em processo administrativo no qual sejam observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
A lei impugnada visou contribuir com a luta nacional contra o flagelo do trabalho escravo ou em condição similar à da escravidão.
Embora a norma não tenha feito menção expressa à necessidade de o empresário ter o conhecimento prévio ou a suspeita da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias, essa atecnia legislativa não torna o diploma legal incompatível com os valores da Constituição Federal. A omissão textual, portanto, não isenta a Administração Pública de demonstrar o dolo ou a culpa do empresário nem cria óbice à sua defesa fundada em justificativa plausível, com a simples prova da inexistência de indícios sobre a ilegitimidade da origem dos produtos por ele adquiridos.
Ademais, a tentativa de correção dessa falha por meio de decreto regulamentar é insuficiente, dada a possibilidade de sua revogação a qualquer momento por ato administrativo e monocrático do governador.
Nesse contexto, cabe ao Supremo Tribunal Federal aplicar a técnica da interpretação conforme à Constituição, a fim de afastar possíveis interpretações incompatíveis com os direitos e garantias individuais por ela consagrados.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu da ação e a julgou parcialmente procedente para assentar a constitucionalidade da Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo (1), conferindo interpretação conforme à Constituição aos seguintes dispositivos: (i) Arts. 1º e 2º da Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo, de modo a exigir a comprovação, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o sócio ou preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas; (ii) Art. 4º da Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo, de modo a exigir a comprovação, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o sócio a ser punido, sabendo ou tendo como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas, haja contribuído, comissiva ou omissivamente, com a aquisição de aludidas mercadorias; (iii) § 1º do Art. 4º da Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo, de maneira que o prazo de 10 (dez) anos seja adotado como limite máximo, restando a norma com a seguinte dicção: “§ 1º - As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de até 10 (dez) anos, contados da data de cassação”, tendo ficado explicitado que o reconhecimento da ocorrência de trabalho análogo à escravização é feito pelo órgão federal competente.
(1) Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo: “Artigo 1º - Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual intermunicipal e de comunicação (ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo. Artigo 2º - O descumprimento do disposto no artigo 1º será apurado na forma estabelecida pela Secretaria da Fazenda, assegurado o regular procedimento administrativo ao interessado. Artigo 3º - Esgotada a instância administrativa, o Poder Executivo divulgará, através do Diário Oficial do Estado, a relação nominal dos estabelecimentos comerciais penalizados com base no disposto nesta lei, fazendo nela constar, ainda, os respectivos números do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), endereços de funcionamento e nome completo dos sócios. Artigo 4º - A cassação da eficácia da inscrição do cadastro de contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará aos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente, do estabelecimento penalizado: I - o impedimento de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento distinto daquele; II - a proibição de entrarem com pedido de inscrição de nova empresa, no mesmo ramo de atividade. § 1º - As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data de cassação. § 2º - Caso o contribuinte seja optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições (Simples Nacional), instituído pela Lei Complementar federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006, a cassação da eficácia da sua inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará cumulativamente: 1 - a perda do direito ao recebimento de créditos do Tesouro do Estado, instituído pelo Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, de que trata a Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007; 2 - o cancelamento dos créditos já calculados ou liberados, referentes ao Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, citado no item 1, independentemente do prazo previsto no § 2º do artigo 5º da Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007.”
ADI 5.465/SP, relator Ministro Nunes Marques, julgamento finalizado em 09.04.2025 (quarta-feira)