REsp 2.174.212-PR

De Documentação

Processo

REsp 2.174.212-PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025, DJEN 7/4/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Indenização securitária. Sinistro causado por beneficiário inimputável. Ausência de intencionalidade. Manutenção do direito à indenização.

Destaque

O beneficiário inimputável que agrava o risco em contrato de seguro não o faz de modo intencional, devendo ser mantido o seu direito à indenização securitária.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia consiste em decidir se deve ser concedida a indenização securitária ao filho beneficiário que, em declarada incapacidade (surto esquizofrênico), ceifa a vida da genitora segurada.

A lacuna legislativa acerca da possível atividade ilícita do beneficiário no momento do sinistro foi preenchida apenas recentemente, por meio do art. 69 da Lei n. 15.040/2024, em vacatio legis até 10/12/2025.

Em atenção à vedação ao non liquet, verificado o hiato legislativo à época dos fatos, deve-se decidir o processo de acordo com "a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito", nos termos do art. 4º da Lei Geral de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Dessa forma, por analogia, pode-se utilizar o art. 768 do Código Civil (CC), o qual estabelece que "o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato". A interpretação teleológica do dispositivo, permite que a referida norma alcance não apenas o segurado, mas também o beneficiário.

Como consequência, nos contratos de seguro também prévios à Lei n. 15.040/2024, perderá o direito à garantia o beneficiário que agravar consciente e intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

Por sua vez, o elemento da voluntariedade opera de modo diverso no âmbito cível e no criminal. Enquanto na seara penal, a inimputabilidade está no terceiro substrato do conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e praticado por agente culpável); para o Direito Civil, a inimputabilidade é pressuposto da livre manifestação de vontade. Isto é, trata-se de elemento prévio à averiguação da intenção (dolo ou culpa) do agente.

Nesse contexto, o sujeito inimputável ou incapaz, quando realiza ato contrário ao direito, não pratica ato jurídico ilícito propriamente dito, pois, conforme ensina a doutrina, os atos jurídicos (lícitos ou ilícitos) exigem a capacidade de exteriorizar a vontade. Ao contrário, o inimputável pratica um ato-fato jurídico, o qual será passível de indenização, o qual será passível de indenização, tendo em vista que a ausência de vontade não o exime, nem o seu representante legal, de reparar os danos causados a terceiros (art. 928 do CC).

Destarte, a averiguação acerca da intenção e voluntariedade de determinado indivíduo está umbilicalmente relacionada à sua imputabilidade e à sua capacidade de manifestar livremente a sua vontade - o que não dispõe o inimputável.

Ou seja, se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Por outro lado, se houve o agravamento do risco - sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário - não é possível aplicar o art. 768 do CC.

Logo, não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização.

Informações Adicionais

Legislação

Código Civil (CC), arts. 768 e 928.

Lei Geral de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 4º.

Lei n. 15.040/2024, art. 69.