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Ação rescisória

De Edpo Augusto Ferreira Macedo
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AÇÃO RESCISÓRIA (AR). É uma ação judicial autônoma, de natureza constitutiva negativa, que tem por objetivo desconstituir uma decisão judicial de mérito que já transitou em julgado, ou seja, que está protegida pela autoridade da coisa julgada material. Por ser uma medida excepcional que ataca o princípio da segurança jurídica, ela não serve como um novo recurso para corrigir eventuais injustiças. Seu cabimento é restrito às hipóteses taxativamente previstas em lei e deve ser ajuizada dentro de um prazo decadencial de dois anos.

O instituto está integralmente disciplinado no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

Código de Processo Civil

  • Art. 966 (Enumera as hipóteses de cabimento da ação rescisória).
  • Art. 967 (Define a legitimidade para propor a ação).
  • Art. 968 (Dispõe sobre os requisitos da petição inicial, incluindo o depósito prévio).
  • Art. 975 (Estabelece o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação).

Desenvolvimento teórico

Para que uma Ação Rescisória seja admitida, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

Decisão de mérito

O pronunciamento judicial que se busca rescindir deve ter analisado o mérito da causa (conforme Art. 487 do CPC).

Trânsito em julgado

A decisão não pode mais ser objeto de qualquer recurso; deve estar acobertada pela coisa julgada material.

Hipótese de cabimento

A causa de pedir da ação deve se enquadrar em uma das hipóteses do rol taxativo do Art. 966 do CPC. O rol do Art. 966 é exaustivo. As causas mais comuns para a rescisão de uma sentença são:

Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz

Vícios que afetam a imparcialidade do julgador.

Incompetência absoluta do juízo

Quando a ação foi julgada por juiz absolutamente incompetente.

Dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida

Vícios de conduta processual que influenciaram o resultado.

Ofensa à coisa julgada

Quando a decisão que se busca rescindir contraria outra decisão transitada em julgado anteriormente.

Violar manifestamente norma jurídica

Uma das hipóteses mais invocadas, exige que a decisão tenha aplicado a lei de forma teratológica, aberrante, e não apenas adotado uma interpretação controvertida.

Fundar-se em prova cuja falsidade tenha sido apurada

Quando a prova essencial para a decisão é comprovadamente falsa.

Obtenção de prova nova

Quando o autor obtém, após o trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar resultado favorável.

Erro de fato verificável

Quando a decisão admite um fato inexistente ou considera inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável que não tenha havido controvérsia sobre o fato.

Prazo decadencial

A ação deve ser proposta no prazo de 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Procedimento e competência

A Ação Rescisória é de competência originária dos tribunais. Por exemplo, uma ação para rescindir uma sentença de um juiz de primeira instância é ajuizada diretamente no Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal ao qual ele está vinculado. A petição inicial deve, sob pena de indeferimento, ser acompanhada de um depósito de 5% sobre o valor da causa, que servirá como multa caso a ação seja, por unanimidade, declarada inadmissível ou improcedente.

O julgamento da rescisória se divide em duas etapas:

Iudicium rescidens (Juízo rescindente)

O tribunal analisa se a hipótese de rescindibilidade (ex: violação à lei) está presente. Se sim, desconstitui a decisão anterior.

Iudicium rescissorium (Juízo rescisório)

O tribunal analisa se a hipótese de rescindibilidade (ex: violação à lei) está presente. Se sim, desconstitui a decisão anterior.

Observações

A Ação Rescisória não pode ser utilizada como um sucedâneo recursal, ou seja, como uma nova chance para rediscutir a matéria ou corrigir uma interpretação judicial que a parte considera injusta. A inconformidade com o resultado, por si só, não autoriza seu manejo.

O prazo de dois anos é decadencial, o que significa que ele não se suspende nem se interrompe, sendo fatal para o exercício do direito.

Jurisprudência vinculante

Violação manifesta de norma jurídica

Esta é uma das hipóteses mais invocadas. Para que seja admitida, a violação da norma deve ser clara, direta e evidente, não bastando uma simples alegação de injustiça ou má interpretação da lei.

  • REsp 2159384: A violação manifesta de norma jurídica (art. 966, V, do CPC) pressupõe que inexista controvérsia interpretativa nos tribunais à época em que proferida a decisão rescindenda.

Necessidade de debate prévio

  • AgInt na AR 7428: O STJ entende que, para a configuração da violação, é indispensável que a norma jurídica tida por violada tenha sido objeto de debate e pronunciamento na decisão que se busca rescindir. A ausência de manifestação judicial sobre o dispositivo legal impede o cabimento da rescisória por este fundamento.

Interpretação controvertida

  • Súmula 343 do STF: Não cabe Ação Rescisória quando a decisão rescindenda se baseou em texto legal com interpretação controversa nos tribunais à época do julgamento. Essa é a orientação da Súmula 343 do STF, aplicada com frequência pelo STJ para indeferir pedidos rescisórios que buscam apenas reverter uma interpretação judicial por outra que se tornou prevalente posteriormente.

Mudança de entendimento pelo STF

  • REsp 2066696: Uma exceção importante ocorre quando o STF, em controle de constitucionalidade, altera um entendimento consolidado. Nesses casos, o STJ tem admitido a Ação Rescisória para adequar o julgado anterior à nova orientação da Suprema Corte, conforme fixado em tese de recurso repetitivo.

Erro de fato verificável

O erro de fato ocorre quando a decisão admite um fato que nunca existiu ou considera inexistente um fato que efetivamente ocorreu. A jurisprudência estabelece requisitos rigorosos para sua configuração: a) o erro deve ser o fundamento da decisão; b) deve ser apurável pelo simples exame dos documentos e provas já existentes no processo original; c) não pode ter havido controvérsia sobre o fato; e d) não pode ter havido pronunciamento judicial sobre o fato.

  • AgInt na AR 7645: Para o reconhecimento do erro de fato, é necessário que o julgamento tenha sido fundado no erro, que este seja apurável com base nos autos do processo originário, que não tenha havido controvérsia sobre o fato e que não exista pronunciamento judicial a respeito.

Obtenção de prova nova

A "prova nova" que autoriza a rescisória não é qualquer prova. O STJ consolidou o entendimento de que a prova deve: a) ser cronologicamente velha, ou seja, já existente à época da decisão que se pretende rescindir; b) ser genuinamente nova, no sentido de que sua existência era ignorada pela parte ou que, mesmo conhecida, seu uso era impossível; e c) ser, por si só, capaz de assegurar um resultado diferente no julgamento.

  • REsp 1770123: O CPC/2015 inovou ao substituir a expressão "documento novo" por "prova nova", alargando o cabimento para incluir, por exemplo, provas testemunhais que não puderam ser produzidas no processo original.
  • AR 7167: Um documento produzido após o trânsito em julgado da decisão não se caracteriza como "prova nova" para fins de Ação Rescisória.

Prazo decadencial para ajuizamento

O direito de propor a Ação Rescisória extingue-se em 2 anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975 do CPC).

Termo inicial

  • REsp 2144685: A regra geral é que o prazo se inicia com o trânsito em julgado, sendo inaplicável a teoria da actio nata (início do prazo a partir da ciência do fato). O STJ entende que o prazo decadencial não se flexibiliza mesmo em casos de dolo ou erro de fato.

Exceção para prova nova

No caso de Ação Rescisória fundada em prova nova, o prazo de 2 anos começa a contar da data de descoberta da prova, observado o limite máximo de 5 anos do trânsito em julgado da decisão (art. 975, § 2º, do CPC).

Deslocamento de competência

  • AR 2973: O STF já decidiu que, em casos de deslocamento de competência, a data a ser considerada para a aferição do prazo decadencial é a do protocolo da ação no tribunal originalmente acionado, ainda que incompetente.

Caráter excepcional e vedação ao uso como recurso

É fundamental destacar que a jurisprudência é uníssona em afirmar que a Ação Rescisória não é um recurso ou uma terceira instância de julgamento. Seu objetivo não é corrigir eventual injustiça da decisão, reexaminar provas ou rediscutir a interpretação dos fatos, mas sim desconstituir uma decisão viciada por um dos defeitos graves e taxativos previstos em lei.

  • AgInt na AR 5286: A Ação Rescisória não é instrumento processual apto a corrigir eventual injustiça da decisão rescindenda, má interpretação dos fatos, reexaminar as provas ou complementá-las, não podendo ser utilizada como se recurso fosse.

Ver também

Referências

  1. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 18ª ed. Juspodivm, 2022.
  2. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 14ª ed. Juspodivm, 2022.
  3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. III. 55ª ed. Forense, 2022.
  4. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 13ª ed. Saraiva, 2022.