Telemedicina
TELEMEDICINA. É a modalidade de exercício da medicina mediada por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs) para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde. Regulamentada em caráter permanente no Brasil, ela permite que atos médicos, como consultas, diagnósticos e monitoramento, sejam realizados a distância, de forma síncrona ou assíncrona, mantendo a mesma validade jurídica e ética dos atos presenciais. A prática pressupõe o consentimento livre e esclarecido do paciente e a garantia de segurança e sigilo das informações.
Fundamentação legal
Lei nº 14.510/2022
Autoriza e disciplina a prática da telessaúde em todo o território nacional.
Lei nº 13.709/2018
Aplicável à proteção dos dados pessoais e sensíveis de saúde tratados na prática da Telemedicina.
Regulamento
Resolução CFM nº 2.217/2018
Código de Ética Médica, aplicável integralmente aos atos médicos realizados por Telemedicina.
Resolução CFM nº 2.314/2022
Define e regulamenta a Telemedicina como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação.
Desenvolvimento teórico
Requisitos de validade
Para a prática válida e segura da Telemedicina, os seguintes requisitos são essenciais:
Autonomia do médico
O profissional tem a decisão de utilizar ou não a Telemedicina, indicando o atendimento presencial sempre que julgar necessário.
Consentimento do paciente
O paciente ou seu representante legal deve consentir livre e esclarecidamente com o atendimento a distância, sendo informado sobre as limitações e especificidades do método.
Inscrição no CRM
O médico deve estar regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado de sua atuação principal. A legislação atual permite que ele exerça a Telemedicina em todo o território nacional, sem necessidade de inscrições secundárias em outros estados para atender pacientes de diferentes localidades.
Segurança e sigilo
É obrigatório o uso de plataformas ou softwares que garantam a integridade, a segurança e o sigilo das informações e dos dados do paciente, em conformidade com a LGPD e o Código de Ética Médica.
Registro em prontuário
Todo atendimento realizado por Telemedicina deve ser devidamente registrado em prontuário médico, físico ou eletrônico, contendo data, hora, tecnologia utilizada, dados do paciente e do médico, e o termo de consentimento.
Características principais
Equivalência ao ato presencial
Os atos médicos praticados por Telemedicina possuem validade jurídica equivalente aos atos presenciais. Receitas, atestados e laudos emitidos com assinatura digital qualificada (padrão ICP-Brasil) são legalmente válidos.
Modalidades diversas
A Telemedicina abrange diversas modalidades, como:
Teleconsulta
A consulta médica remota entre médico e paciente.
Teleinterconsulta
Troca de informações e opiniões entre médicos para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
Telediagnóstico
Emissão de laudo ou parecer de exames a distância.
Telecirurgia
Realização de procedimento cirúrgico a distância, com o uso de robôs e mediado por tecnologias.
Telemonitoramento
Monitoramento ou vigilância remota de parâmetros de saúde do paciente.
Flexibilidade geográfica
Rompe barreiras geográficas, permitindo o acesso a especialistas e cuidados de saúde em regiões remotas ou para pacientes com dificuldade de locomoção.
Procedimento
O procedimento usual de uma teleconsulta envolve o agendamento prévio, o envio do link de acesso para a sala virtual segura, a verificação da identidade do paciente e do médico, a realização da consulta por videoconferência, o registro das informações em prontuário eletrônico e, se necessário, a emissão de documentos digitais (receitas, atestados) enviados ao paciente de forma segura.
Observações
A primeira consulta de um paciente pode ser realizada por Telemedicina, não havendo mais a obrigatoriedade de um primeiro atendimento presencial, exceto em casos específicos onde o exame físico é indispensável.
A responsabilidade profissional do médico por atos cometidos em Telemedicina é a mesma da prática presencial, podendo responder civil, penal e eticamente por seus erros.
A escolha da plataforma tecnológica para a prática da Telemedicina é de responsabilidade do médico, que deve garantir sua conformidade com as normas de segurança e privacidade.
Jurisprudência relevante
Validade de perícias médicas por telemedicina
Um dos temas mais recorrentes nos tribunais é a validade de perícias médicas realizadas de forma remota, especialmente em processos previdenciários contra o INSS. A jurisprudência tem se posicionado majoritariamente pela legalidade da prática, desde que assegurada a confiabilidade do laudo.
- Superação de Normas Anteriores: Decisões destacam que a Lei nº 13.989/2020 e a Resolução nº 317/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizaram a teleperícia durante a crise sanitária, superando vedações anteriores do Código de Ética Médica.
- Autonomia do Médico: A Resolução CFM nº 2.314/2022, que regulamenta a telemedicina de forma permanente, confere ao médico a autonomia para decidir sobre a utilização do atendimento à distância, indicando o exame presencial sempre que julgar necessário.
- Ausência de Nulidade sem Prejuízo: A simples realização da perícia por videochamada não gera nulidade processual se não for demonstrado um prejuízo concreto para as partes. Se o perito consegue formar sua convicção com os documentos e a entrevista remota, o laudo é considerado válido.
Nesse sentido, os seguintes julgados são relevantes:
- 0001876-90.2019.4.03.6341: A decisão confirma a validade de uma perícia psiquiátrica realizada por WhatsApp, destacando que a Resolução nº 317/2020 do CNJ e a posterior Resolução CFM nº 2.314/2022 amparam a prática, não havendo nulidade quando o perito não aponta insuficiência de dados para sua conclusão.
- 5018491-70.2019.4.04.7205: O tribunal entendeu que a prova técnica simplificada (teleperícia) é um meio válido durante a pandemia, amparado pela Lei nº 13.989/20 e pela Resolução do CNJ, que se sobrepõem a atos normativos do CFM que exigiam o exame presencial.
Cobertura por planos de saúde
Outro ponto de debate é a obrigatoriedade de cobertura da telemedicina pelos planos de saúde. O Judiciário tem entendido que, sendo uma modalidade de atendimento médico regulamentada, sua cobertura é devida.
- 2081289-18.2023.8.26.0000: O TJSP decidiu que a telemedicina é uma modalidade consolidada e sua cobertura é devida pelo plano de saúde, pois representa uma forma de exercício da medicina mediada por tecnologia, conforme a Resolução CFM n. 2.314/2022.
Regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina
O próprio CFM, em suas decisões internas, tem se adaptado à nova realidade, reconhecendo a validade de perícias documentais e indiretas como modalidades de telemedicina.
- 17182023: Em um processo ético-profissional, o CFM absolveu um médico, afirmando que a perícia documental indireta, sem interação com o periciando, é uma modalidade de telemedicina prevista na Resolução CFM nº 2.325/2022 e não constitui infração ética.
Ver também
Referências
- BRASIL. Lei nº 14.510, de 27 de dezembro de 2022. Dispõe sobre a prática da telessaúde.
- CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.314, de 20 de abril de 2022. Brasília: CFM, 2022.
- MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice. LGPD na Saúde. Thomson Reuters Brasil, 2020.
- KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 9. ed. Thomson Reuters Brasil, 2021.