ARE 1.042.075/RJ

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS; SIGILO E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E TELEMÁTICA; SIGILO DE DADOS E DE COMUNICAÇÃO DE DADOS; RESERVA DE JURISDIÇÃO; AUTORIDADE POLICIAL; ENCONTRO FORTUITO

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

 

Acesso, sem autorização judicial, a registros e a informações contidos em aparelho celular encontrado fortuitamente no local do crime ARE 1.042.075/RJ (Tema 977 RGaudiotexto.png

 

ODS: 16

 

Tese fixada:

“1. A mera apreensão do aparelho celular, nos termos do art. 6º do CPP ou em flagrante delito, não está sujeita à reserva de jurisdição. Contudo, o acesso aos dados nele contidos deve observar as seguintes condicionantes: 1.1 Nas hipóteses de encontro fortuito de aparelho celular, o acesso aos respectivos dados para o fim exclusivo de esclarecer a autoria do fato supostamente criminoso, ou de quem seja o seu proprietário, não depende de consentimento ou de prévia decisão judicial, desde que justificada posteriormente a adoção da medida. 1.2. Em se tratando de aparelho celular apreendido na forma do art. 6º do CPP ou por ocasião da prisão em flagrante, o acesso aos respectivos dados será condicionado ao consentimento expresso e livre do titular dos dados ou de prévia decisão judicial (cf. art. 7º, III, e art. 10, § 2º, da Lei nº 12.965/2014) que justifique, com base em elementos concretos, a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência à luz de direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º, X e LXXIX, CF/1988). Nesses casos, a celeridade se impõe, devendo a autoridade policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de plantão. 2. A autoridade policial poderá adotar as providências necessárias para a preservação dos dados e metadados contidos no aparelho celular apreendido, antes da autorização judicial, justificando, posteriormente, as razões de referido acesso. 3. As teses acima enunciadas só produzirão efeitos prospectivos, ressalvados os pedidos eventualmente formulados por defesas até a data do encerramento do presente julgamento.”

 

Resumo:

A autoridade policial pode, sem prévia ordem judicial ou consentimento, acessar dados contidos em aparelho celular encontrado fortuitamente no local do crime (quando ele é esquecido/abandonado na cena do crime), desde que a finalidade seja a de esclarecer a autoria do suposto fato criminoso ou de identificar o proprietário do aparelho e que, posteriormente, a adoção da medida seja justificada. Por outro lado, quando o celular é apreendido com o suspeito presente (nas hipóteses de prisão em flagrante), os dados somente podem ser acessados caso haja consentimento expresso do dono ou autorização judicial.

A apreensão do aparelho celular (ou seu recolhimento) se distingue do acesso aos dados e metadados nele contidos. Tal apreensão, nas circunstâncias acima especificadas, não se sujeita à reserva de jurisdição, mas isso não resulta na autorização automática do acesso aos dados.

A autoridade policial pode adotar certas providências para a preservação dos dados e dos metadados do celular apreendido antes da autorização judicial, por exemplo, mediante notificação da operadora. Nesse caso e naquele em que a autoridade policial acessa os dados de aparelho celular encontrado fortuitamente no local do crime, deverá ser apresentada posterior justificativa da necessidade da medida adotada. Em qualquer situação, a providência deve respeitar direitos e garantias fundamentais, em especial os relacionados à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional.

Na espécie, a autoridade policial, sem autorização judicial ou consentimento, acessou a agenda telefônica e o registro de chamadas de aparelho celular encontrado fortuitamente no local em que cometido suposto crime de roubo com o emprego de arma de fogo e concurso de agentes. Trata-se de fato delituoso anterior à EC nº 115/2022, que incluiu o inciso LXXIX ao art. 5º da CF/1988 (1). Com o acesso aos dados, a autoridade policial identificou o recorrido, que, em juízo de primeiro grau, foi condenado à pena de sete anos de reclusão. Ao julgar a apelação, o tribunal estadual absolveu o réu, por entender configurada a ilicitude originária da prova colhida na determinação da autoria e a ilicitude derivada das provas dela advindas.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 977 da repercussão geral, (i) deu provimento ao recurso extraordinário com agravo para reconhecer a licitude da prova, restabelecendo-se a sentença condenatória de primeiro grau; bem como (ii) fixou as teses anteriormente citadas. Além disso, o Tribunal, por motivos de segurança jurídica e relevante interesse público, decidiu que essas teses valem somente para os casos futuros ou para os casos em andamento, caso já exista pedido da defesa.

 

            (1) CF/1988: “Art. 5º (...) LXXIX – é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.”

 

ARE 1.042.075/RJ, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento finalizado em 25.06.2025 (quarta-feira)

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Date added:
2025-08-17 02:48:01
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