Abuso de direito

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O abuso de direito é o ato ilícito que ocorre quando o titular de um direito subjetivo o exerce de forma manifestamente excessiva, contrariando sua finalidade social ou econômica, a boa-fé ou os bons costumes. Embora a conduta seja aparentemente lícita, ela se torna ilícita pelo desvio de finalidade no seu exercício, gerando a obrigação de indenizar os danos causados. Trata-se de um limite funcional imposto ao exercício dos direitos para garantir a justiça e a harmonia nas relações sociais.

Código Civil

  • Art. 187 (Conceito de abuso de direito)
  • Art. 186 (Para contextualização do ato ilícito em sentido estrito)
  • Art. 927 (Obrigação de indenizar)

Constituição Federal

  • Art. 5º, XXIII e Art. 170, III (Princípio da Função Social)

Desenvolvimento teórico

Requisitos e natureza jurídica

O abuso de direito, previsto no Art. 187 do Código Civil, é uma categoria autônoma de ato ilícito. Sua configuração não depende da intenção de prejudicar (dolo) ou da falta de cuidado (culpa), pois a teoria adotada no Brasil é a objetiva. A análise se concentra no resultado do ato e em sua conformidade com os valores do ordenamento.

Os requisitos para sua configuração são:

A titularidade de um direito

O agente deve possuir um direito subjetivo que lhe permita agir.

O exercício de um direito

O agente pratica uma conduta amparada, em tese, por esse direito.

O excesso manifesto

O exercício ultrapassa os limites impostos por três parâmetros normativos:

  • Fim social ou econômico: Todo direito possui uma finalidade para a qual foi criado. Exercê-lo de modo a desvirtuar essa função (ex: cobrar uma dívida de forma vexatória) constitui abuso.
  • Boa-fé objetiva: Viola o padrão de conduta leal e honesta esperado nas relações jurídicas. Manifesta-se em figuras como a supressio (perda de um direito pelo seu não exercício por tempo suficiente para gerar na outra parte a expectativa de que não seria mais exercido) ou o venire contra factum proprium (proibição do comportamento contraditório).
  • Bons costumes: Refere-se à violação de padrões morais e éticos da coletividade.

Características principais

A principal característica que distingue o abuso de direito (Art. 187) do ato ilícito em sentido estrito (Art. 186) é o ponto de partida da conduta.

No ato ilícito do Art. 186, o agente viola um dever legal desde o início (ex: dirigir em alta velocidade e causar um acidente). A conduta já nasce ilícita.

No abuso de direito do Art. 187, o agente parte de uma posição jurídica lícita (um direito que ele possui), mas o modo de exercício torna a conduta ilícita.

Por ser formulado com termos abertos como "boa-fé" e "fim social", o Art. 187 é considerado uma cláusula geral, conferindo ao juiz o poder-dever de adequar a norma ao caso concreto, promovendo a justiça e coibindo o exercício egoísta e anti-social dos direitos.

Consequências do abuso de direito

Uma vez reconhecido o abuso, suas consequências podem ser:

Obrigação de indenizar

É a consequência mais comum. O titular que abusou de seu direito fica obrigado a reparar os danos materiais e morais causados a outrem (Art. 927 do CC).

Ineficácia do ato

O ato abusivo pode ser considerado nulo ou ineficaz, retornando as partes ao estado anterior.

Imposição de obrigação de fazer ou não fazer

O juiz pode determinar que o ofensor cesse a prática abusiva ou desfaça seus efeitos.

Jurisprudência relevante

Abuso do direito de ação e defesa

Ocorre quando a parte utiliza o processo de forma temerária, com o intuito de prejudicar a parte contrária ou de retardar o andamento do feito. O ajuizamento de sucessivas ações ou recursos infundados é um exemplo clássico.

REsp 1817845: Neste caso, o STJ reconheceu o abuso do direito de ação e defesa pelo ajuizamento sucessivo de ações temerárias com propósito doloso, considerando tal conduta um ato ilícito passível de reparação por danos materiais e morais.

Relações contratuais

O abuso de direito é frequentemente associado à violação do princípio da boa-fé objetiva e seus deveres anexos (lealdade, informação, cooperação).

REsp 2030882: O Tribunal entendeu que a utilização de um critério de reajuste contratual mais gravoso, sem aviso prévio, caracteriza exercício abusivo de um direito, violando a boa-fé.

AgInt no AREsp 2183337: A resilição de um contrato dias após sua prorrogação foi considerada um comportamento contraditório que feriu a boa-fé objetiva, configurando abuso de direito.

REsp 1277762: O encerramento unilateral e imotivado de uma conta-corrente antiga e com movimentação regular foi considerado uma prática abusiva, em violação ao Código de Defesa do Consumidor.

Direito de propriedade

O exercício do direito de propriedade também pode ser abusivo quando exercido em desconformidade com sua função social e a boa-fé.

REsp 1200112: A Corte afastou a proteção da impenhorabilidade do bem de família quando o proprietário, agindo com má-fé, o ofereceu em garantia para obter um benefício fiscal, configurando abuso do direito de propriedade.

Ver também

Referências

  • CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. Editora Atlas, 2023.
  • TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. Editora Método, 2023.
  • SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. Saraiva Jur, 2022.