Discussão:Motorista profissional
Auxílio-Refeição e Diárias de Viagem
De modo geral, o auxílio-refeição previsto em Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) não pode ser confundido ou compensado com as diárias de viagem pagas ao motorista carreteiro.
Isso ocorre porque, embora ambas as verbas possam ter natureza indenizatória, elas possuem fatos geradores e finalidades distintas. A compensação de verbas trabalhistas exige que elas tenham a mesma natureza e o mesmo título.
Abaixo, detalho a natureza jurídica de cada uma e o porquê da impossibilidade de compensação, com base na legislação e na jurisprudência. FMSIA (discussão) 14h40min de 11 de outubro de 2025 (UTC)
- 1. Natureza Jurídica das Verbas
- Tanto o auxílio-refeição quanto as diárias de viagem, via de regra, não integram o salário do empregado, possuindo natureza indenizatória.
- Auxílio-Refeição (ou Alimentação):
- Finalidade: Custear a despesa do trabalhador com sua alimentação durante a jornada de trabalho.
- Natureza Jurídica: Predominantemente indenizatória, especialmente quando prevista em CCT ou ACT que assim determine. A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) consolidou esse entendimento ao alterar o art. 457, § 2º, da CLT, que exclui expressamente o auxílio-alimentação da remuneração, vedando seu pagamento em dinheiro.
- Jurisprudência: O Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconhece a natureza indenizatória do auxílio-refeição e cesta-alimentação quando instituídos por CCT (TST - AIRR: 41432020105120035, Relator: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Publicação: 03/03/2017).
- Diárias de Viagem:
- Finalidade: Ressarcir o empregado por despesas extraordinárias decorrentes de viagens a serviço, como alimentação, hospedagem e locomoção.
- Natureza Jurídica: Também possui natureza indenizatória. O TST possui jurisprudência pacificada de que, havendo previsão em norma coletiva, a natureza indenizatória das diárias prevalece, independentemente do valor (TST - RR: 00111433920165150080, Relator: Claudio Mascarenhas Brandao, 7ª Turma, Publicação: 19/08/2022). Mesmo antes da Reforma Trabalhista, o TST já entendia que, se o objetivo do pagamento fosse o reembolso de despesas, a natureza seria indenizatória, ainda que o valor ultrapassasse 50% do salário (TST - AIRR: 1281120145230116, Relator: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Publicação: 14/10/2016).
- Auxílio-Refeição (ou Alimentação):
- FMSIA (discussão) 14h41min de 11 de outubro de 2025 (UTC)
- 2. Impossibilidade de Compensação
- A compensação no direito do trabalho é restrita e só é permitida entre parcelas de mesma natureza jurídica e finalidade. O TST já decidiu que créditos trabalhistas não são suscetíveis de compensação com indenizações de natureza diversa.
TST - AIRR 9693020145150083 — Publicado em 10/05/2024 O Tribunal Superior do Trabalho entende que a compensação de verbas só é possível quando há identidade de natureza jurídica entre as parcelas, o que não ocorre entre créditos de naturezas distintas.
- No caso em análise:
- O auxílio-refeição destina-se a cobrir o custo da alimentação do dia a dia de trabalho.
- As diárias de viagem destinam-se a cobrir um conjunto mais amplo de despesas (alimentação, pernoite, etc.) que surgem exclusivamente porque o empregado está deslocado de sua base para a prestação de serviços.
- Como as finalidades não se confundem, o pagamento de diárias de viagem não isenta o empregador de fornecer o auxílio-refeição previsto na CCT, e vice-versa. Uma verba não pode ser utilizada para "quitar" a outra. FMSIA (discussão) 14h41min de 11 de outubro de 2025 (UTC)
Intervalo Intrajornada (Refeição e Descanso)
A regra geral da CLT prevê um intervalo de, no mínimo, 1 hora para jornadas que excedem 6 horas diárias. No entanto, para os motoristas profissionais, a legislação permite uma maior flexibilidade.
A Lei nº 13.103/2015 alterou a CLT para permitir que o intervalo intrajornada do motorista seja reduzido e/ou fracionado, desde que isso esteja previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
- Possibilidade de Redução e Fracionamento: A norma coletiva pode estabelecer pausas para descanso e alimentação de, no mínimo, 30 minutos. Conforme decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), essa flexibilização é válida, pois a própria lei autoriza a negociação.
TRT-3 — ROT 00115598320225030030 — Publicado em 2024 O TRT-3 destacou que, com a vigência da Lei n. 13.103/2015, passou-se a admitir a redução e o fracionamento do intervalo, validando normas coletivas que preveem pausas mínimas de 30 minutos.
- Condição de Validade: É importante ressaltar que a jurisprudência do TST tem se consolidado no sentido de que a redução ou fracionamento do intervalo só é válida se não houver a prestação habitual de horas extras. Caso o motorista cumpra jornada extraordinária com frequência, a cláusula que reduz o intervalo pode ser considerada inválida.
TST — RR 0100045-72.2019.5.01.0202 — Publicado em 30/08/2024 O TST entende que, mesmo com a previsão em norma coletiva, a redução do intervalo intrajornada se torna inválida se houver a extrapolação habitual da jornada de trabalho.
FMSIA (discussão) 13h08min de 12 de outubro de 2025 (UTC)
Tempo de Espera (Carga, Descarga e Fiscalização)
O "tempo de espera" é o período em que o motorista fica aguardando a carga ou descarga do veículo ou o tempo gasto em barreiras de fiscalização. A natureza jurídica desse tempo foi objeto de grande debate e uma mudança significativa ocorreu após decisão do STF.
- Como era antes: A Lei do Motorista (art. 235-C, § 8º, da CLT) estabelecia que o tempo de espera não era computado como jornada de trabalho nem como horas extras. Esse período era indenizado na proporção de 30% do salário-hora normal.
- A Mudança com a Decisão do STF (ADI 5.322): Em 2023, o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.322, declarou inconstitucionais os trechos da lei que excluíam o tempo de espera da jornada de trabalho.
- Como ficou: Com a decisão do STF, o tempo de espera passou a ser considerado tempo à disposição do empregador e, portanto, deve ser computado na jornada de trabalho. Se a soma das horas de trabalho efetivo com o tempo de espera ultrapassar a jornada normal, o excesso deve ser remunerado como horas extras.
TST — RR 0010701-58.2018.5.03.0041 — Publicado em 22/09/2023 O TST, aplicando a decisão do STF, firmou o entendimento de que o tempo de espera do motorista profissional deve ser integrado à sua jornada de trabalho e, na parte em que extrapolada, ser pago como horas extraordinárias.
- Modulação dos Efeitos: É fundamental observar que o STF modulou os efeitos de sua decisão. A nova regra (tempo de espera como jornada de trabalho) vale apenas a partir de 12 de julho de 2023. Para os contratos de trabalho anteriores a essa data, continua valendo a regra antiga, ou seja, o pagamento do tempo de espera como indenização de 30%, sem cômputo na jornada.
TST — Ag-RR 00212211920195040331 — Publicado em 28/02/2025 Em se tratando de contrato de trabalho finalizado antes de 12/07/2023, o TST aplicou a modulação de efeitos, mantendo a regra original da CLT que exclui o tempo de espera da jornada de trabalho.
FMSIA (discussão) 13h08min de 12 de outubro de 2025 (UTC)
A Regra Geral do Intervalo Interjornadas
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 66, estabelece que entre duas jornadas de trabalho deve haver um período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso. Esse intervalo é considerado uma medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, essencial para a recuperação física e mental do trabalhador. FMSIA (discussão) 13h48min de 12 de outubro de 2025 (UTC)
- O Fracionamento do Intervalo e a Decisão do STF
- A Lei nº 13.103/2015 (conhecida como Lei do Motorista) alterou a CLT e, em seu artigo 235-C, § 3º, passou a permitir o fracionamento do intervalo interjornadas de 11 horas para os motoristas profissionais. A norma autorizava o gozo de 8 horas ininterruptas no primeiro período e a concessão das 3 horas restantes dentro das 16 horas seguintes.
- No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, declarou inconstitucional a parte do dispositivo que permitia esse fracionamento. O entendimento da Suprema Corte é que o intervalo interjornadas é um direito social indisponível, diretamente ligado à saúde e segurança do trabalhador, não podendo ser objeto de fracionamento ou redução, mesmo que por norma coletiva.
STF — ADI 5322 DF — Publicado em 30/08/2023 O STF considerou inconstitucional o dispositivo legal que permite a redução e/ou o fracionamento dos intervalos interjornadas, por se tratar de norma constitucional de proteção da saúde do trabalhador (art. 7º, XXII, da CF).
- É importante notar que, em decisão posterior, o STF modulou os efeitos de sua decisão, que passaram a valer a partir de 12 de julho de 2023. Para períodos anteriores a essa data, o fracionamento, se previsto em norma coletiva e cumpridos os requisitos (8 horas ininterruptas de descanso), pode ser considerado válido.
TRT-9 — Recurso Ordinário Trabalhista 12892520235090021 — Publicado em 26/02/2025 A inobservância do intervalo interjornada deve ser remunerada como hora extra, sem fracionamento, apenas a partir de 12/07/2023, conforme decidido na ADI 5322 e sua modulação de efeitos.
- 3. Consequências do Descumprimento FMSIA (discussão) 13h48min de 12 de outubro de 2025 (UTC)