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Ação penal pública condicionada: mudanças entre as edições

De Edpo Augusto Ferreira Macedo
Criou página com ''''AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA.''' É uma modalidade de ação penal na qual a titularidade para promover a acusação criminal continua sendo do Estado, exercida pelo Ministério Público, mas o início da persecução penal está subordinado a uma manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal. A condição mais comum é a '''representação do ofendido''', uma autorização para que o Estado possa agir. Sem o cumprimento dessa condição, o...'
 
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== Ver também ==
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* Ação penal pública incondicionada
* [[Ação penal pública incondicionada]]
* Ação penal privada
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* Denúncia
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* Representação do ofendido
* [[Representação do ofendido]]
* Decadência
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== Referências ==
== Referências ==

Edição das 21h10min de 28 de setembro de 2025

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. É uma modalidade de ação penal na qual a titularidade para promover a acusação criminal continua sendo do Estado, exercida pelo Ministério Público, mas o início da persecução penal está subordinado a uma manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal. A condição mais comum é a representação do ofendido, uma autorização para que o Estado possa agir. Sem o cumprimento dessa condição, o Ministério Público não pode oferecer a denúncia, sendo um instituto intermediário entre a regra da ação pública incondicionada e a exceção da ação privada.

As regras sobre esta modalidade de ação penal estão dispersas entre o Código Penal e o Código de Processo Penal.

Código de Processo Penal

  • Art. 24 (Define a ação pública condicionada).
  • Art. 25 (Dispõe sobre a retratabilidade da representação).
  • Art. 38 (Estabelece o prazo decadencial de 6 meses para a representação).

Código Penal

  • Art. 100, § 1º (Estabelece que a ação pública depende de representação ou de requisição do Ministro da Justiça, quando a lei expressamente o exigir).

Exemplos de crimes

  • Art. 147, Parágrafo único (Crime de Ameaça).
  • Art. 171, § 5º (Crime de Estelionato, como regra geral, alterado pela Lei 13.964/19).
  • Art. 147-A, § 3º (Crime de Perseguição ou Stalking).

Desenvolvimento teórico

O ordenamento jurídico brasileiro adota, como regra, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Contudo, para certos crimes, o legislador entendeu que o interesse da vítima em preservar sua intimidade ou evitar o escândalo do processo (strepitus judicii) poderia ser mais relevante que o interesse público na punição imediata, criando assim a ação penal pública condicionada.

Espécies de ação penal

É fundamental distinguir as três modalidades de ação penal:

Ação penal pública incondicionada

É a regra. O Ministério Público deve agir de ofício, independentemente da vontade da vítima (ex: homicídio, roubo).

Ação penal pública condicionada

O Ministério Público só pode agir se houver a manifestação da vítima (representação) ou do Ministro da Justiça (requisição).

Ação penal privada

É a exceção. A titularidade da ação é do próprio ofendido, que deve contratar um advogado para oferecer a queixa-crime (ex: crimes contra a honra).

Condições de procedibilidade

A "condição" a que a lei se refere é uma condição de procedibilidade, ou seja, um requisito sem o qual o processo não pode validamente iniciar.

Representação do ofendido

É a condição mais comum. Trata-se de uma autorização, uma manifestação de vontade inequívoca da vítima (ou de seu representante legal) de que deseja ver o autor do fato processado criminalmente. Não exige formalidades rígidas.

Requisição do Ministro da Justiça

É uma condição rara, de natureza política, exigida em crimes específicos, como em crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (Art. 7º, § 3º, 'b', do CP).

Características da representação

A opção legislativa pela ação condicionada busca harmonizar o interesse público na persecução penal com o interesse privado da vítima. Em crimes como a ameaça ou o estelionato, muitas vezes as partes podem chegar a uma composição ou a vítima pode simplesmente não desejar levar o conflito adiante, e a lei lhe confere esse poder de decisão inicial.

Prazo decadencial

A vítima tem o prazo de 6 (seis) meses para oferecer a representação, contados a partir do dia em que descobre a autoria do crime (Art. 38 do CPP). Este prazo é fatal, não se suspende nem se interrompe. A perda do prazo gera a extinção da punibilidade do agente.

Retratabilidade

A vítima pode se arrepender e retirar a representação. Essa retratação, contudo, só é válida se for feita antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Após a denúncia, a representação torna-se irretratável e o Estado assume o controle total da ação (Art. 25 do CPP).

Informalidade

A representação não exige um documento com este título. A manifestação clara da vítima no boletim de ocorrência ou em seu depoimento na delegacia de que deseja ver o autor processado já é suficiente.

Jurisprudência relevante

Natureza e formalidade da representação

A representação é uma condição de procedibilidade, ou seja, uma manifestação de vontade da vítima (ou de seu representante legal) autorizando o Ministério Público a iniciar a ação penal. O STJ possui entendimento pacífico de que este ato não exige formalidades específicas.

Manifestação inequívoca

É suficiente que a vítima demonstre claramente o seu interesse na persecução penal. Essa manifestação pode ocorrer em qualquer fase da investigação, seja na delegacia, ao registrar um boletim de ocorrência, ou perante o Ministério Público e o juiz.

  • AgRg no AgRg no AREsp 2517074: O STJ entende que o registro do boletim de ocorrência e a ratificação dos fatos em audiência são suficientes para caracterizar a vontade da vítima, não havendo necessidade de um documento formal intitulado "representação".
  • EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 2026506: Da mesma forma, o STJ já decidiu que a representação pode ser depreendida do boletim de ocorrência e do depoimento em juízo.

Crimes contra a dignidade sexual

A natureza da ação penal para crimes sexuais sofreu importantes alterações legislativas, e a jurisprudência acompanhou essas mudanças.

  • Regra Geral (Pós-Lei nº 13.718/2018): A Lei nº 13.718/2018 tornou a ação penal pública incondicionada para todos os crimes contra a dignidade sexual. Isso significa que, para fatos ocorridos após a vigência da lei, a ação penal será iniciada pelo Ministério Público independentemente da vontade da vítima.
  • Período Anterior à Lei nº 13.718/2018: Antes da alteração, a regra era a ação penal pública condicionada à representação. Havia, no entanto, exceções importantes:

Vítima vulnerável

O STJ já entendia que, em casos de crimes sexuais contra vulneráveis, a ação penal era pública incondicionada, mesmo antes das leis mais recentes, em respeito ao princípio da proteção integral.

  • AgRg nos EAREsp 2127623: Conforme o STJ, a legitimidade do Ministério Público para propor ação penal pública incondicionada em casos de estupro de vulnerável é reconhecida mesmo antes da Lei nº 12.015/2009.

Vulnerabilidade temporária

Em situações de vulnerabilidade transitória (como embriaguez ou hipnose), o STJ firmou o entendimento de que a ação penal era condicionada à representação, pois, uma vez cessada a vulnerabilidade, a vítima, maior e capaz, teria o direito de decidir sobre a persecução penal.

  • AgRg no HC 753124: Para os casos de vulnerabilidade temporária, a ação penal por crimes sexuais deve ser pública condicionada à representação, respeitando o direito à privacidade e à intimidade da vítima maior e capaz.
  • RHC 148695: Em casos de vulnerabilidade temporária (ex: embriaguez), em que a vítima recupera sua capacidade de decidir, a ação penal para crimes sexuais (antes da Lei nº 13.718/2018) era pública condicionada à representação.

Lesão corporal leve e vias de fato no âmbito doméstico

Para os crimes de lesão corporal leve e a contravenção penal de vias de fato, a natureza da ação penal depende do contexto em que o crime foi praticado.

Contexto de violência doméstica (Lei Maria da Penha)

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 4.424/DF, firmou o entendimento de que, nos crimes de lesão corporal (ainda que leve ou culposa) praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas, a ação penal é pública incondicionada. O STJ alinhou-se integralmente à decisão do STF, aplicando o mesmo raciocínio para a contravenção de vias de fato.

  • RHC 33620: O crime de lesão corporal, mesmo que leve, praticado contra a mulher em âmbito doméstico, é processado mediante ação penal pública incondicionada.
  • AgRg no HC 713415: Seja em caso de lesão corporal leve ou de vias de fato, se praticado em contexto de violência doméstica ou familiar, não se exige a representação da vítima para a persecução penal.

Fora do contexto de violência doméstica

Para o crime de lesão corporal leve ou culposa que não ocorre no âmbito da Lei Maria da Penha, a regra geral do artigo 88 da Lei nº 9.099/95 prevalece, sendo a ação penal pública condicionada à representação da vítima.

  • RHC 33478: Uma exceção notável é o crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor cometido por agente sob a influência de álcool, que, por força do Código de Trânsito Brasileiro, é de ação penal pública incondicionada.

Ver também

Referências

  1. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Juspodivm, 2022.
  2. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. Saraiva, 2022.
  3. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 19ª ed. Forense, 2022.
  4. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume I. 24ª ed. Impetus, 2022.