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Ação penal pública incondicionada

De Edpo Augusto Ferreira Macedo
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AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. É a regra geral no sistema processual penal brasileiro, aplicável à maioria dos crimes, especialmente os mais graves. Nela, a titularidade para promover a acusação criminal pertence com exclusividade ao Ministério Público. É denominada "incondicionada" porque o Ministério Público tem o poder-dever de iniciar a ação penal (oferecer a denúncia) sempre que houver indícios de autoria e prova da materialidade do crime, independentemente da vontade da vítima ou de qualquer outra condição ou autorização.

A base para esta modalidade de ação penal encontra-se na Constituição Federal e é regulada pelo Código de Processo Penal e pelo Código Penal.

Constituição Federal

  • Art. 129, I (Atribui privativamente ao Ministério Público a promoção da ação penal pública).

Código de Processo Penal

  • Art. 24 (Estabelece que a ação penal pública será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá de condição quando a lei o exigir, sendo, portanto, incondicionada nos demais casos).
  • Art. 42 (Consagra o princípio da indisponibilidade, ao vedar que o Ministério Público desista da ação penal já iniciada).

Código Penal

  • Art. 100, caput (Define a ação pública como a regra, que é promovida pelo Ministério Público sem depender de representação, salvo quando a lei expressamente a exigir).

Desenvolvimento teórico

A prevalência da Ação Penal Pública Incondicionada reflete a concepção de que a prática de certas infrações penais ofende tão gravemente a ordem social que o interesse na punição do responsável transcende a esfera privada da vítima, tornando-se um interesse de toda a coletividade.

Princípios reitores

Esta modalidade de ação penal é orientada por princípios específicos que regem a atuação do Ministério Público:

Princípio da obrigatoriedade (ou legalidade)

Diante de elementos que configurem a justa causa (indícios suficientes de autoria e prova da materialidade), o Ministério Público não tem discricionariedade: ele é obrigado a oferecer a denúncia. A inércia injustificada pode, inclusive, configurar falta funcional.

Princípio da indisponibilidade

Uma vez iniciada a ação penal com o oferecimento da denúncia, o Promotor de Justiça não pode desistir do processo. A persecução penal torna-se indisponível, devendo prosseguir até uma sentença final.

Princípio da oficialidade

A promoção da ação é função exclusiva de um órgão oficial do Estado, o Ministério Público.

Princípio da indivisibilidade

A ação penal deve abranger todos os autores e partícipes do fato delituoso cuja identificação seja possível na fase investigatória. O Ministério Público não pode escolher processar apenas um dos envolvidos.

Titularidade e atuação

A titularidade exclusiva do Ministério Público significa que somente este órgão pode dar início ao processo por meio da denúncia, que é a peça acusatória inaugural. A vítima, neste caso, atua como informante e, se desejar, pode intervir no processo como assistente de acusação, auxiliando o promotor, mas nunca o substituindo.

Identificação do crime de ação pública incondicionada

A regra é a do silêncio. Se o tipo penal, em seu preceito secundário ou em artigo correlato, não fizer qualquer menção sobre a necessidade de representação da vítima ou de requisição do Ministro da Justiça, a ação penal será pública incondicionada.

Exemplos de crimes

Homicídio (Art. 121, CP), Latrocínio (Art. 157, § 3º, II, CP), Roubo (Art. 157, CP), Corrupção (Art. 317, CP), Tráfico de Drogas (Lei 11.343/06), Tortura (Lei 9.455/97), Racismo (Lei 7.716/89) e Estupro (Art. 213, CP).

Alteração legislativa

A natureza da ação penal de um crime pode ser alterada por lei, refletindo mudanças na política criminal. O exemplo mais notório é o crime de estupro, que historicamente já foi de ação penal privada e depois pública condicionada, e hoje é de ação penal pública incondicionada, demonstrando que o Estado passou a considerar a violação da dignidade sexual um assunto de máxima relevância pública.

Jurisprudência relevante

Violência doméstica e familiar contra a mulher

Para os crimes de lesão corporal, ainda que de natureza leve, praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Repercussão Geral, firmou entendimento de que a ação penal é pública incondicionada.

Este entendimento afasta a necessidade de representação da vítima e impede a retratação. A reconciliação do casal ou a manifestação da ofendida de que não deseja o prosseguimento do processo não são óbices para a persecução criminal.

  • ARE 773765: O STF reafirmou sua jurisprudência no sentido de que os crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar são de ação penal pública incondicionada, cassando decisão que havia extinguido a punibilidade por ausência de representação.
  • AgRg no HC 707726: O STJ reforça que, nos termos da Súmula 542, a ação penal para o crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica é pública incondicionada, tornando irrelevante a retratação da vítima e incabível a audiência do art. 16 da Lei Maria da Penha para este fim.

Crimes sexuais com violência real

Nos crimes de estupro praticados mediante violência real, a ação penal também é pública incondicionada, conforme entendimento sumulado pelo STF. A violência real não exige a ocorrência de lesões corporais, bastando o emprego de força física para subjugar a vítima.

  • Súmula 608 do STF: "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".
  • AgRg nos EDcl no REsp 1695827: O STJ aplicou a Súmula 608 do STF para manter a condenação por estupro, afirmando que a ação é pública incondicionada quando há emprego de violência real, como no caso em que a vítima foi empurrada, segurada e forçada a praticar atos libidinosos.

Crime de estelionato

A natureza da ação penal para o crime de estelionato foi alterada pela Lei nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), que passou a exigir a representação da vítima como regra. Contudo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores estabeleceu um marco temporal para a aplicação dessa nova regra.

Irretroatividade para denúncias já oferecidas

O STF decidiu que a nova exigência de representação não retroage para os processos em que a denúncia já havia sido oferecida antes da vigência da lei. Nesses casos, a ação penal permanece pública incondicionada.

  • ARE 1479284: O STF negou provimento a recurso que pedia a aplicação retroativa da necessidade de representação, consolidando o entendimento de que, se a denúncia foi oferecida quando a ação era pública incondicionada, essa natureza se mantém (princípio do tempus regit actum).

Retroatividade para ações penais não iniciadas

Por outro lado, se a denúncia não havia sido oferecida até a entrada em vigor da nova lei, a norma mais benéfica (que exige representação) retroage para beneficiar o acusado.

  • RHC 215032: Nesta decisão, o STF determinou a intimação da vítima para manifestar seu interesse na persecução penal, aplicando retroativamente a Lei 13.964/2019 a um caso em que a ação penal estava em curso, mas sem manifestação inequívoca da vítima.

Ver também

Referências

  1. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Juspodivm, 2022.
  2. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. Saraiva, 2022.
  3. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 19ª ed. Forense, 2022.
  4. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 17ª ed. Juspodivm, 2022.