Ação
Ação, em sentido processual, é o direito público subjetivo, autônomo e abstrato, garantido a toda pessoa, de provocar a atividade do Poder Judiciário para obter uma manifestação sobre uma pretensão de mérito. É o direito de acesso à justiça, que não se confunde com o direito material que se alega possuir. A teoria moderna entende que o direito de ação existe independentemente de o autor ter ou não razão em seu pedido, pois o que se garante é o direito a um provimento jurisdicional (uma sentença), e não necessariamente a um provimento favorável.
Fundamentação legal
O direito de ação é uma garantia fundamental da Constituição e seus requisitos de exercício são disciplinados pelo Código de Processo Civil.
Constituição Federal
- Art. 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;" (Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou do Acesso à Justiça, que é a base do direito de ação).
Código de Processo Civil
- Art. 17: "Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade." (Estabelece as condições da ação).
- Art. 18: "Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico." (Trata da legitimidade ordinária e extraordinária).
- Art. 485, VI: Prevê a extinção do processo sem resolução de mérito caso não se verifiquem a legitimidade ou o interesse processual.
Desenvolvimento teórico
A compreensão moderna do direito de ação como um direito autônomo e abstrato foi um dos grandes avanços da ciência processual, separando definitivamente o direito processual do direito material.
Requisitos
Conceito
É o poder jurídico de dar início a um processo e de obter do Estado-juiz uma decisão sobre o mérito da causa.
Teoria abstrata do direito de ação
A teoria concretista, antiga, afirmava que só tinha direito de ação quem tinha o direito material. A teoria abstrata, adotada no Brasil, sustenta que a ação é um direito autônomo e público. O direito de pedir a tutela do Estado existe para todos, tanto para o autor que tem razão quanto para o que não tem. O resultado (procedência ou improcedência do pedido) é uma questão de mérito, e não uma condição para a existência da própria ação.
Características
Elementos da ação
São os componentes que individualizam e identificam uma ação, permitindo, por exemplo, verificar a ocorrência de litispendência ou coisa julgada:
Partes
O autor (quem pede) e o réu (contra quem se pede).
Causa de pedir
Os fatos (causa remota) e os fundamentos jurídicos (causa próxima) que embasam o pedido.
Pedido
O bem da vida que o autor pretende obter com a tutela jurisdicional.
Condições da ação
São os requisitos de admissibilidade que o juiz analisa antes de julgar o mérito. Pelo CPC/2015, são duas:
Legitimidade das partes (Legitimatio ad causam)
A pertinência subjetiva da ação. As partes devem ser os titulares da relação jurídica discutida.
Interesse de agir (ou interesse processual)
A necessidade e a adequação da tutela jurisdicional. O interesse existe quando o processo é necessário para se obter o bem da vida pretendido e quando o procedimento escolhido é adequado para esse fim.
Distinção de pretensão e mérito
Ação vs. pretensão
A pretensão é o poder de exigir uma prestação, que nasce com a violação de um direito material. A ação é o poder de exigir uma prestação jurisdicional do Estado. A prescrição atinge a pretensão, esvaziando o fundamento material da ação, o que leva à improcedência do pedido (julgamento de mérito).
Ação vs. mérito
O direito de ação é o direito a um julgamento de mérito. O mérito é a pretensão em si, o pedido do autor. O juiz pode extinguir o processo sem julgar o mérito (se faltar uma das condições da ação) ou com julgamento de mérito (acolhendo ou rejeitando o pedido).
Jurisprudência relevante
Interesse de agir
- REsp 1431244: O interesse de agir corresponde à apreciação da necessidade, utilidade e adequação do provimento jurisdicional. Se a decisão de mérito não for apta, em tese, a corrigir a situação de fato mencionada na inicial, não há interesse de agir.
- AgInt no REsp 1801734: Assim como a legitimidade, o interesse de agir é matéria de ordem pública e não se sujeita à preclusão.
Legitimidade das partes
- AgInt no AREsp 2516338: A legitimidade é considerada uma matéria de ordem pública, podendo ser analisada a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de ofício pelo juiz, não estando sujeita à preclusão.
- REsp 1424617: A análise dessa condição, segundo a Teoria da Asserção, é feita com base nas afirmações do autor na petição inicial.
Possibilidade jurídica do pedido
- AgInt no AREsp 178237: O STJ já se manifestou no sentido de que a possibilidade jurídica do pedido se traduz em apurar se a pretensão é compatível com a eventual entrega da tutela jurisdicional, seja pela existência de uma norma que a ampare, seja pela inexistência de uma vedação legal.
Ausência das condições da ação
- AgRg no REsp 1363772: A legitimidade passiva ad causam é condição da ação, e seu exame não preclui, podendo e devendo ser apreciada pelo Tribunal de origem.
- REsp 1930735: Discute requisitos específicos em ações de desapropriação como condições para a regularidade da ação, cuja ausência acarreta a extinção do processo sem exame do mérito.
- AgInt no REsp 1711322: Reafirma que a ausência das condições da ação leva à prolação de decisão terminativa, extinguindo o processo de forma anômala.
Ver também
Referências
- DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Editora JusPodivm, 2023.
- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil - Volume Único. Editora JusPodivm, 2023.
- GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. Editora Malheiros, 2022.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Editora Forense, 2023.
- LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Editora Malheiros.