Ação penal privada: mudanças entre as edições
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Edição atual tal como às 12h37min de 28 de setembro de 2025
AÇÃO PENAL PRIVADA. É a modalidade excepcional de persecução criminal na qual a lei transfere a titularidade do direito de acusar do Estado para a própria vítima (o ofendido) ou seu representante legal. Nesse modelo, o Ministério Público não atua como autor, e o processo só se inicia se a vítima, chamada de querelante, manifestar sua vontade por meio de uma peça acusatória denominada queixa-crime, apresentada por um advogado. A ação penal privada é regida por princípios próprios, como o da oportunidade e o da disponibilidade, que conferem ao particular o controle sobre o início e a continuidade do processo.
Fundamentação legal
As regras sobre a ação penal privada estão previstas na Constituição Federal (em sua modalidade subsidiária) e, principalmente, no Código Penal e no Código de Processo Penal.
Constituição Federal
- Art. 5º, LIX (Assegura a ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal - Ação Penal Privada Subsidiária da Pública).
Código Penal
- Art. 100, §§ 2º, 3º e 4º (Define a ação privada, a personalíssima e a subsidiária).
Exemplos de crimes
- Arts. 138, 139 e 140 (Crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, como regra).
- Art. 163, parágrafo único, IV (Crime de dano cometido por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima).
Código de Processo Penal
- Arts. 29 a 62 (Regulam o exercício da ação privada, a queixa-crime e as causas de extinção da punibilidade próprias deste instituto).
Desenvolvimento teórico
A ação penal privada é uma exceção ao princípio da oficialidade, sendo reservada pela lei para infrações que, embora criminosas, atingem de forma mais direta a esfera íntima e particular do ofendido do que a coletividade.
Princípios reitores
Os princípios da ação penal privada são, em geral, opostos aos da ação penal pública:
Princípio da oportunidade ou conveniência
O ofendido tem a faculdade, e não o dever, de iniciar o processo. Ele pode ponderar a conveniência de levar a acusação adiante.
Princípio da disponibilidade
O querelante pode dispor da ação a qualquer momento, mesmo após iniciada. Isso se manifesta através do perdão do ofendido ou da perempção.
Princípio da indivisibilidade
A queixa-crime deve ser oferecida contra todos os coautores do crime conhecidos pelo querelante. A escolha de processar apenas um, omitindo os demais, implica em renúncia ao direito de queixa em relação a todos (Art. 48 do CPP).
Espécies
Ação Penal Privada Exclusiva (ou Propriamente Dita)
É a regra. A titularidade é do ofendido ou, em caso de sua morte ou ausência, de seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (o CADI - Art. 31 do CPP).
Ação Penal Privada Personalíssima
É raríssima e não admite sucessão processual. Apenas a própria vítima pode intentá-la. O único exemplo vigente no Código Penal é o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para o casamento (Art. 236 do CP).
Ação Penal Privada Subsidiária da Pública
Prevista na Constituição, é uma garantia do cidadão contra a inércia do Ministério Público. Se o MP não oferecer a denúncia no prazo legal, a vítima ganha o direito de iniciar a ação através de queixa-crime. Nesta modalidade, o MP atua como fiscal da lei e pode, a qualquer momento, retomar a titularidade da ação.
Sujeitos e peça processual
Querelante
É o autor da ação (a vítima).
Querelado
É o réu da ação.
Queixa-Crime
É a petição inicial da ação penal privada, que deve ser elaborada por um advogado e conter os mesmos requisitos da denúncia.
Causas de extinção da punibilidade próprias
Além das causas gerais, a ação penal privada possui formas específicas de extinção da punibilidade:
Renúncia
Ocorre antes de iniciada a ação. É a manifestação (expressa ou tácita) do ofendido de que não exercerá seu direito de queixa.
Perdão do ofendido
Ocorre depois de iniciada a ação. O querelante perdoa o querelado. O perdão, para ser eficaz, precisa ser aceito pelo querelado.
Perempção
É uma sanção pela inércia do querelante no curso do processo. Ocorre, por exemplo, quando ele deixa de promover o andamento do feito por 30 dias seguidos.
Jurisprudência relevante
Procuração com poderes especiais
A procuração outorgada ao advogado deve conter poderes especiais, com menção ao fato criminoso, conforme o art. 44 do Código de Processo Penal (CPP). No entanto, a jurisprudência flexibiliza essa exigência.
- AgRg no RHC 167802: O STJ entende que não é necessária uma descrição pormenorizada do fato, bastando a indicação do dispositivo legal ou do nome do crime.
- HC 247135: O STF, por sua vez, já decidiu que, embora a procuração não precise detalhar o fato, deve ao menos individualizar o evento delituoso para resguardar o querelante de uma futura acusação de denunciação caluniosa.
- HC 246141: Irregularidades na procuração podem ser sanadas. O STF considerou o vício sanado pela presença da querelante em audiência, na qual manifestou interesse no prosseguimento da ação dentro do prazo decadencial.
Descrição dos fatos
A queixa-crime deve narrar os fatos de forma clara, permitindo o exercício da ampla defesa.
- APn 1028: O STJ já rejeitou a alegação de inépcia quando a inicial descreve suficientemente a conduta, as circunstâncias de tempo e lugar, e a qualificação do acusado.
Extinção da punibilidade
Dois institutos são frequentemente discutidos como causas de extinção da punibilidade em ações penais privadas: a decadência e a perempção.
Decadência e perempção
- AgR Pet 6594: O prazo decadencial de seis meses para o exercício da ação penal privada é de natureza fatal, não admitindo suspensão ou interrupção. A propositura da queixa-crime fora desse prazo leva à extinção da punibilidade.
- AgRg no REsp 1670607: A perempção ocorre quando o querelante demonstra desinteresse no prosseguimento do feito. O STJ já decidiu que a ausência do querelante ou de seu advogado na sessão de julgamento em que a queixa-crime é recebida não configura perempção, pois esta não pode ocorrer antes do recebimento da inicial acusatória.
Ação penal privada subsidiária da pública
Esta modalidade de ação só é cabível em caso de inércia do Ministério Público.
- QC 13: O STJ firmou a tese de que a ação penal privada subsidiária da pública é incabível na ausência de inércia do Ministério Público. A mera discordância do ofendido quanto à tipificação dos fatos dada pelo órgão ministerial não autoriza a propositura de queixa-crime.
Justa causa e animus específico
Para o recebimento da queixa-crime, especialmente nos crimes contra a honra, é fundamental a demonstração do dolo específico de ofender (animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi).
Ausência de fato certo e determinado
Para os crimes de calúnia e difamação, a jurisprudência exige a imputação de um fato concreto e determinado. Críticas genéricas ou vagas não configuram o delito.
- QC 2: O STJ rejeitou queixa-crime por difamação por entender que a expressão utilizada não configurava a atribuição de um fato ocorrido em determinada circunstância de tempo e lugar.
- AgR Pet 7168: Da mesma forma, o STF entende que opiniões ou conceitos genéricos, ainda que ofensivos, não caracterizam difamação ou injúria puníveis quando não se revela a quem são dirigidos.
Ausência de dolo específico
A intenção de ofender é um requisito subjetivo do tipo. Se a manifestação ocorre com outra intenção (animus criticandi, narrandi, jocandi), a conduta é considerada atípica.
- APn 990: O STJ já rejeitou denúncia por calúnia ao concluir que as declarações do acusado se coadunavam muito mais com a intenção de criticar (animus criticandi) do que com a de ofender a honra.
Transação penal e composição civil
- 5296850-57.2024.8.09.0106: O TJ-GO, em linha com o Enunciado 112 do FONAJE, reconheceu a legitimidade do Ministério Público para propor transação penal em ação penal de iniciativa privada, considerando-a um direito subjetivo do réu quando preenchidos os requisitos legais.
- REsp 1705947: A composição dos danos civis homologada judicialmente acarreta a renúncia ao direito de queixa (art. 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995). Contudo, o STJ esclareceu que se a composição não abranger todos os danos, como os morais, a vítima pode buscar a reparação na esfera cível.
Ver também
- Ação Penal Pública (Incondicionada e Condicionada)
- Queixa-Crime
- Renúncia
- Perdão
- Perempção
Referências
- LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Juspodivm, 2022.
- LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. Saraiva, 2022.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 19ª ed. Forense, 2022.
- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 17ª ed. Juspodivm, 2022.